domingo, 14 de junho de 2009

Ensaio sobre a cegueira

Voltei! E mais uma vez é a música que me inspira a escrever, resultado da vontade de querer mostrar algo que acho belo e que de alguma forma me faz bem.
Assisti na última quinta-feira o filme "Ensaio sobre a cegueira", adaptação cinematográfica dirigida por Fernando Meirelles do livro de mesmo nome, de José Saramago (aí está um assunto que muito me interessa, adaptações de obras literárias para o cinema!).
Já nos créditos finais é que toca Arioso, do compositor alemão Johann Sebastian Bach. A princípio não sabia a autoria, mas a já conhecida melodia naquele momento foi algo agradável para mim e me fez ficar alguns instantes imóvel diante da tv, uma sensação de conforto que me motivou a procurá-la depois. Acabou tornando-se minha trilha sonora nos últimos dias!
Apesar de crescer com meu pai ouvindo alguma coisa de música clássica, até então minha relação com o estilo era um pouco indiferente; era cômodo ouvir por acaso, mas por si só não me despertava o interesse.
Sou totalmente leiga sobre o assunto... a diferença hoje em dia é que, não faz muito tempo, fui motivada a começar a prestar um pouco mais de atenção nos sons, sentir um pouco mais as melodias e tentar captar o sentimento que desejavam transmitir. Como resultado, ultimamente me pego às vezes com a necessidade de ouvir algo do gênero... e é muito bom, como se por algum momento eu estivesse longe de tudo, sozinha, curtindo apenas aquele momento.

Para quem tiver a curiosidade de saber do que se trata, segue um vídeo com a interpretação do violoncelista Julian Lloyd Webber para Arioso, de Bach.




Já que toquei em "Ensaio sobre a cegueira" (ESC), acho válido fazer alguns comentários a respeito, já que li o livro e vi o filme. Vou partir do cinema para a literatura: o filme é muito bom, sem dúvida. A meu ver, Fernando Meirelles conseguiu ser fiel a obra sem deixar a essência do livro se perder; porém, acredito ser melhor para quem NÃO leu o livro. Obviamente seria impossível transportar na íntegra o conteúdo literário para as telas em duas horas de filmagem, mas é indiscutível que as reações de angústia, as sensações sufocantes e a ansiedade pelo desfecho são muito mais expressivas para os leitores. Por ter lido primeiro o livro, não me surpreendi com as cenas do filme, muito "pesadas" na opinião dos não leitores. As cenas criadas na mente de quem lê, sem dúvida, são muito mais fortes do que as da tela.

José Saramago é um escritor brilhante (meu primeiro contato com sua obra foi na 8ª série quando a professora de Literatura exigiu a leitura de "O conto da ilha desconhecida"); com a organização e a disposição dos elementos dos períodos longe do esperado pela escrita convencional, estrutura suas obras a partir da união de elementos históricos, temas imprevistos e ideológicos para criar um cenário alégorico, fantasioso, a partir do qual busca alcançar uma visão da realidade. A verdadeira mensagem de suas obras normalmente não será encontrada na superfície de seus textos, como é o caso de ESC. Um leitor descuidado, ou até destreinado, poderá não ser capaz de assimilar o conteúdo verdadeiro que o autor deseja transmitir por meio de mensagens presentes nas entrelinhas.

A cegueira apresentada na obra não deve ser vista como uma cegueira física, real, mas metafórica. A partir da situação fantasiosa de toda uma população encontrar-se cega, José Saramago espera mostrar que, muitas vezes até inconscientemente, as pessoas tendem a não enxergar além do que lhes é conveniente.

A "cegueira branca" da ficção é descrita por um dos personagens não como a ausência de luz associada as cegueiras comuns, mas como se, ao contrário, todas as luzes estivessem acesas ofuscando as vistas para o que estivesse ao redor. Talvez assim vivemos hoje, preocupados em nos tornar melhores que os outros, com os nossos interesses acima de qualquer coisa, em um cenário movido pela concorrência de um mundo cada vez mais competitivo; cada vez temos menos tempo para dedicar aos prazeres da vida, temos mais preocupações e cobranças, o que nos torna cegos em relação ao próximo, nos torna egoístas e nos coloca distantes da beleza existente na simplicidade das coisas.

Essa é a cegueira descrita por Saramago; em ESC esta leva o ser humano à sua essência, reduzindo-o a seu instinto, levando-o a agir como animal que luta pela sobrevivência. Em toda narrativa apenas uma personagem encontra-se com a visão perfeita, a qual demonstra solidariedade e preocupação aos mais próximos, sendo também a responsável por transmitir aos leitores o estado em que se transformou a humanidade.

Na minha opinião é uma leitura válida, que não deve ser apenas decodificada, mas estudada com carinho. Pela primeira vez penso em (daqui a algum tempo) ler um livro pela segunda vez.

Enfim, o livro é fantástico. A leitura a princípio é difícil, mas é questão de acostumar! Destaque para a riqueza de intertextualidade (que merece um estudo futuramente) e da descrição das cenas.

Para terminar, um comentário sobre livro x filme: uma das cenas que mais me chamou atenção no livro foi o trecho em que a personagem que podia ver, em um momento de fraqueza, busca abrigo em uma igreja para retomar as forças. Quando se dá conta, percebe que todas as imagens dos santos apresentam os olhos vendados, fato estranho sobre o qual não encontra a princípio nenhuma resposta.

Duas interpretações possíveis para mim: 1) a humaninade encontrava-se completamente abandonada pelos céus, o que teria levado ao caos; 2) a humanidade encontrava-se vítima de seu comportamento cego, sendo o reestabelecimento da situação dependente unicamente da ação e da mudança de cada um, não podendo nem mesmo os céus interferirem. Para ser coerente com a intenção de Saramago ao escrever o livro, acredito ser a segunda opção a mais plausível.

Confesso que o trecho da igreja e dos santos era a cena que eu mais esperava ver no filme devido a força que tem no livro, mas que infelizmente não foi tão explorada.

Bom, escrevi demais e até poderia escrever mais! Para não ficar tão chato, porém, paro por aqui, o que foi um misto de momento musical, análise literária e crítica ao comportamento humano. Talvez no fundo não tenha sido exatamente nada disso, mas pelo menos foi uma tentativa!

Foi uma experiência interessante.

Até a próxima! ;)

11 comentários:

Gabriel Ramos disse...

Nossa...

Deixa eu recolocar meu maxilar na posição original...

Qta inspiração hein, já é uma prévia de um TCC q com ctz será espetacular, e que desde já me encontro ansioso para assistí-lo. Se bem q não estou surpreso, conheço bem esse seu potencial imenso, precisa ás vezes de um empurrãozinho (ou até mesmo um empurraozão). O filme realmente é mto bom, o livro...estou na espera por tempo e alguém q o empreste.

Q bom q voltou a postar, q bom ouvir SUAS palavras...Seu blog se tornou algo mto + divertido e interessante. Como vc!!!

Bjoes e Parabéns (um dia chego lá ;) )


Ah sim, Bach é mto bom...nas músicas do Angra tem mta influência dele...Só não é meu tipo...

Recrazygirl disse...

Hello!!!
Já estamos de férias da faculdade mocinha!
Aiaiaiaia viu!
Seu post está praticamente uma resenha requisitada por você sabe quem...hauhauahuah
Eu como assisti o filme, me sinto a vontade para comentar sobre tal, mesmo não tendo lido o livro, que claro, é a obra completa.
Para mim, apesar da lentidão do filme, eu estava disposta a assisti-lo até o final, e olha que já era madrugada, e alguma coisa me despertava o interesse, me prendia no sofá para assisti-lo. Talvez tenha sido pela nota de Literatura Portuguesa...hahahaha....mas não foi só isso...é realmente fascinante ver como o ser humano é podre.
Infelizmente, temos mais defeitos do que qualidades, e filmes como esse nos ajudam a voltar a realidade, perceber o que antes não queriamos ver, não queriamos sentir. E é fabuloso conseguir isso a partir de um livro, de um filme...ter esse feeling, nem que seja por horas ou até segundos...rs
Bom, acho que já escrevi d+, não falei o que eu queria, mas também não vou desnosprezar tantas palavras, né!?
Adorei a crítica, resenha, comentários, enfim, esse texto todo...hauahuaha
bjos

Hevellyn disse...

Bom, vamos por partes! hehe...
Gabriel, muuuito obrigada pelos elogios, adorei o "divertido e interessante"! Parece até que vc não escreve maravilhosamente bem! (eu não acho que escrevo melhor que vc). Fique sabendo que sem dúvida o empurrãzinho que eu preciso para escrever vem tb de vc, que sempre me estimula a isso! E eu fico muito feliz! ;)
Renata: Estou impressionada com o tamanho do seu comentário! huahuahua... esse é único!
Bom, que bom que gostou do filme! Acho que seria bom se todos resolvessem prender-se no sofá por duas horinhas para assisti-lo.
Quanto a influência da faculdade, não teve como! hahaha... falar só da música seria pouco, resolvi colocar em ação todo meu aprendizado adquirido no 5º semestre! Minhas super prática com resenhas e meus estudos profundos em literatura portuguesa! hehehehe...
Bjosssssss!!!!!

Gabriel Ramos disse...

até nisso somos mto bons. Não diria q vc escreve MELHOR do q eu. tanto vc, carlos, renata e eu temos estilos de escrita completamente diferentes...nesses passeios pelos blogs me alimento d temas diferentes, falado d formas diferentes. Porém ótimos dentro do tema e forma propostos.

Estamos todos de parabéns.

É q esse último foi mto bom mesmo...bjos....

Hevellyn disse...

Realmente tem sido muito bom essa troca de experiências através dos blogs! Cada um do seu jeitinho, expondo um pouco de si!
Que continuemos assim!! :D
Bjs

Anônimo disse...

Preciso mesmo comentar? hehehe
Vc está se revelando uma ótima escritora, crítica e cada vez mais sensível... Acredito que suas qualidades como profissional está diretamente relacionada com sua personalidade, o que a torna ainda melhor...
Vc fez a escolha certa mudando de curso... E faz sempre as escolhas certas(por mais que vc pense que não...
Vc escreve com a alma...
E com certeza me deu vontade de ler esse livro...
Te amooo
bjoss

Hevellyn disse...

Aeee...
adorei o comentário amiga! É muito bom ler coisas assim de pessoas especiais como vc é, e todos os que tem me acompanhado! Isso me dá ânimo pra continuar!
Obrigada por td, sempre!!!
Bjossss

C. Eduardo disse...

Aiai... que vc escreve mto bem, eu já sabia há mto tempo atrás, sempre te disse isso, mas a cada dia me surpreendo com o seu grande potencial... será que ainda vou ter o privilégio de ver seu nome entre os mais vendidos da lista da Veja??? Continue assim, expressando os seus sentimentos, e qdo se faz isso com música, ae o caldo engrossa... amo música...



"com música eu vivo mais feliz, sem música não poderei viver... (Gabriel continua)"

Jonathan disse...

Sem comentários...não só mostrou a visão de alguém que realmente gostou do filme(e do livro) mas como mostrou BEM. Com certeza não conseguiria uma interpretação melhor. Sempre é bom ler teus textos viu moça =)
Continue assim...quem dera eu tivesse uma amiga assim na época das interpretações de filmes e livros na escola...era 10 garantido heheh!

brincadeiras a parte, adorei o post.

continue assim...beijos!!

Recrazygirl disse...

Olá!!!
Tem um selinho super gostoso te esperando no meu Blog...
http://recrazygirlsworld.blogspot.com
bjos

Alessandro disse...

Hevellyn, seu texto sobre esse filme me pegou completamente de surpresa. UAU! Você escreve muito bem!

Esse filme é realmente sensacional. Minha experiência com ele foi ver o filme sem ter lido o livro.

Horas depois de ter visto o filme, ainda pensava nele e nas infinitas reflexões que provoca. Tanto que me senti na obrigação de escrever um pouco sobre ele lá no blog.

Parabéns pela resenha. Ela poderia tranquilamente se chamar "Ensaio sobre o Ensaio sobre a Cegueira".

E você acaba de ganhar um novo seguidor.